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June, 2014

If I’m involved, I want it to be right.

Todos os dias aprendo muito sobre o meu trabalho apenas observando pessoas que admiro profundamente. Na era da Internet, vivemos a possibilidade de acessar virtualmente acontecimentos de lugares e tempos muito diferentes do nosso. Nesse contexto, hoje acordei com o distante porém próximo Ai Weiwei, o artista chinês multi-talento que me mantém atualizada diariamente sobre sua vida e seu trabalho através das redes sociais online. Quem tem tempo pra escrever uma autobiografia quando pode usar o Twitter para informar sobre injustiças e desigualdades sociais na hora em que elas acontecem? E assim ele vai contando e fazendo história ao mesmo tempo, em tempo real.

No último mês de abril, o nome e as obras de Ai Weiwei que constavam em uma exposição na Power Station of Art de Xangai, um museu estatal, foram removidos da mostra antes da inauguração, por pressão de autoridades do governo local. “15 Years Chinese Contemporary Art Award” tinha como argumento a trajetória do Prêmio criado pelo colecionador suíço Uli Sigg em 1998. Ele próprio, entendendo a complexidade da situação, pensou em cancelar a exposição em cima da hora, mas estando a apenas alguns minutos da abertura e sem qualquer possiblidade de diálogo com os funcionários da Secretaria Municipal de Cultura de Xangai, optou por registrar suas reclamações em seu discurso de abertura. Sua menção ao artista que não pode ser incluído não foi traduzida.

Apenas um mês depois, surge um novo episódio de censura. Trata-se agora da exposição “Hans van Dijk: 5000 Names”, no UCCA Ullens Center for Contemporary Art”, uma homenagem ao curador nascido na Holanda, que viveu e trabalhou em Pequim promovendo a arte contemporânea chinesa em todo o mundo. O nome de Ai Weiwei, que diga-se de passagem era grande amigo e colaborador do homenageado em questão, foi omitido do release para a imprensa e de toda a divulgação da mostra. Honrando sua luta contra a censura e também a amizade com Dai Han Zhi (nome chinês de Hans van Dijk), o artista em pessoa retirou e levou embora seu trabalho da exposição, alegando desrespeito a sua trajetória e a promoção de um falso retrato da arte contemporânea chinesa. E claro, tirou uma foto e postou no Instagram.

 Instagram Ai Weiwei_1

Ai Weiwei foi além. Para que não restassem dúvidas sobre a arbitrariedade da curadoria, resolveu gravar as conversas que teve dois dias após o ocorrido com o diretor do UCCA, Philip Tinari, na cafeteria do local. Também registrou a conversa com a curadora convidada e responsável pela mostra, Marianne Brouwer. Nesta madrugada ele postou as transcrições, que podem ser lidas tanto na sua conta do Google (aqui e aqui) quanto no Instagram.

Ai Weiwei Instagram_2

Com isso, ele demonstra que o sistema invade determinadas práticas profissionais como um cavalo de Tróia, delegando o poder e depois fazendo com que a censura seja absorvida como uma banalidade, uma burocracia, transformando-se em autocensura. Ambos profissionais decidiram omitir o nome do artista na divulgação, mantendo suas obras na exposição, com o objetivo de evitar problemas com as autoridades. Com isso, ignoram na totalidade o pensamento e o trabalho artístico de Ai Weiwei, que luta incessante e destemidamente contra esse controle e mais, combate esse tipo de medo com a coragem que é evidente em sua trajetória pessoal e profissional. Estava sendo nada mais que coerente.

 Ai Weiwei Instagram_3

“Se eu estou envolvido, eu quero que seja certo”. Através dessa afirmação tão simples e com a qual muito me identifico, no dia de hoje ele chamou a atenção de milhares de seguidores para o que está acontecendo na China. O que poderia denotar apenas ética e princípio moral aplicado ao espaço profissional, quando dito por Ai Weiwei toma outra dimensão: fala sobre as dificuldades de ser e estar na China do século XXI e ensina sobre moldar a nossa existência através dos próprios atos.

Weiwei é para mim um exemplo a ser seguido, uma fonte infindável de inspiração para curadores e artistas. Minha admiração é tanta que confesso, sem nenhuma vergonha, que há mais de um ano comecei a aprender Mandarim com o objetivo de entendê-lo melhor e, quem sabe um dia, poder falar com ele se o encontrar por acaso na rua, nem que para isso eu tenha que dar uma volta, também muito por acaso, perto da sua casa/estúdio em Pequim. (Pra quem não conhece sua trajetória, ele ficou quase três meses detido pelas autoridades chinesas em 2011, sob acusação de evasão fiscal. Embora esteja autorizado a deixar Pequim, ainda está proibido pela polícia de viajar para outros países, por ser “suspeito de outros crimes”. Seus defensores e ele próprio consideram sua prisão como uma represália por suas críticas ao governo. Mais sobre ele no maravilhoso documentário “Never Sorry” e também no recente “The Fake Case“).

O seu trabalho me encoraja a ter mais imaginação e com ele aprendo que a política é mais próxima das pessoas quando questionada através da arte. Ele me faz pensar que toda arte tem que ter um porquê, e me traz a noção de que o belo se justifica quando é veículo para transmissão de uma mensagem e não apenas um fim em si mesmo. Passei a pensar melhor minhas escolhas estéticas e, como uma ode à Ai Weiwei, aspiro acessar meus espectadores na essência do ato de observar, atingindo o ponto exato onde se perguntam o porquê do meu trabalho. Por que essa foto e não outra? Por que aquela cor? Por que aquele traço está ali? Qual o por que dessa edição? Produzir apenas para dar vazão a minha angústia criativa deixou de ser aceitável depois de Ai Weiwei. Ele me ensinou que, sem nenhum juízo de valores, em um mundo onde tudo é possível e tem seu lugar, existe a Arte e existe o artesanato. Sendo assim, me pergunto todos os dias por que estou fazendo o que faço, busco alguma certeza entre minhas inúmeras dúvidas. Mas sempre com uma convicção: If I’m involved, I want it to be right.

 

 

Clarita Mascarada

Na Páscoa de 2010, fiz uma viagem a Portugal com o objetivo de encontrar o amor no “meio do caminho” entre a Espanha e o Brasil. Encontrei amor e mais, encontrei Clarita.

Durante uma caminhada sem pressa, dessas que a gente só faz em viagens, cruzei com ela pela primeira vez em uma feira de antiguidades de Vila Nova de Gaia. Quem me conhece sabe o quanto eu fico entusiasmada com possibilidade de levar pra casa fotos de familias que não são a minha. Honrando o padrão de maluquice dos Colecionadores de Retratos Anônimos, comecei a procurar rostos conhecidos em uma caixa de fotos cheia de imagens de um passado que não era meu. E lá estava ela…

Quando encontrei a primeira foto, já não pude mais deixar de olhar praquela moça, ingênua porém atenta, muito bem vestida, muito bem penteada. Parecia estar de férias, mas nem um fio de cabelo fora do lugar. Sorriso de Monalisa, com covinhas discretas, toda uma diva. De repente, outra foto! E era a mesma pessoa! Surgiram várias imagens, de diferentes lugares e épocas. Mas sempre o mesmo olhar, um  encanto natural. Resolvi perguntar pro dono da banca: quem é essa senhora? Como ela veio parar aqui, nessa caixa? Ora pois, o que segue é história:

Resulta que Clarita era conhecida do pessoal, como sempre acontece nas cidades pequenas. Foi casada com Carlitos durante toda sua vida e se amavam serena e profundamente. Tiveram filhos, netos, uma casa no campo. Até que um dia Clarita adoeceu e para o inconsolável pesar de Carlos, não voltou do hospital. Ele decidiu que também não voltaria, não colocaria os pés novamente naquela casa que era deles, que era ela. Tudo ficou onde estava. Nas palavras do amigo antiquário: “o açúcar ficou lá aberto em cima da mesa, como deixou quando saiu para visitá-la aquela manhã”. Desde aquele dia, ele passou a viver na casa de campo, de onde saiu apenas para cumprir seu fado. 

Mas como as fotos chegaram àquela caixa? Prefiro não julgar, meu próprio relacionamento com as imagens é um caso terapêutico. A casa ficou fechada até que um dia tudo que estava dentro, assim como seus donos, teve o seu destino. E Clarita veio pra mim, é isso que importa. 

As fotos eram sempre dedicadas, com muito apreço, muita doçura. “A meu grande amor e querido Carlitos da sua sempre apaixonada Clarita”, “Em todos os meus passeios eu penso em ti meu bem amado. Tua fiel, Clarita”, “Clarita que o amará sempre”. Na despedida, o senhor me cobrou pelas fotos muito menos do que eu julgava que elas valiam. Parecia que o fato de agora dividirmos aquela história e que eu a levasse pra viajar por novos horizontes lhe deixou secretamente satisfeito. Como um atestado não verbal de que tudo aquilo era verdade, me fisgou quase partindo com uma última surpresa: “Leve também este cartão de visita dos dois, não vou lhe cobrar, este eu lhe ofereço”. Era o que faltava, eu agora tinha o endereço… mas isso já é outra história. 

Clarita vai bem, obrigada. Depois de alguns invernos madrilenhos, está passando uma temporada no Rio de Janeiro, onde inspirada pelo Carnaval e pelas manifestações anti-corrupção, adotou a máscara ao seu visual. Clarita sempre sabe o que dizer com leveza e suavidade, tem um bom conselho para cada situação, todos gostam muito dela por aqui. Temos agora uma relação de profundo afeto e gratidão: ela, pelo fato de tê-la resgatado daquela caixa e trazido além mar; eu, por ela ter me ensinado que o amor pode sim ser eterno, como eu suspeitava. Sem mais, Clarita Mascarada

Técnica: Impressão Laser Digital  e Carimbo Artesanal

Dimensões: 42 cm x 29,7 cm

Tiragem : Ilimitada