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If I’m involved, I want it to be right.

If I’m involved, I want it to be right.

Todos os dias aprendo muito sobre o meu trabalho apenas observando pessoas que admiro profundamente. Na era da Internet, vivemos a possibilidade de acessar virtualmente acontecimentos de lugares e tempos muito diferentes do nosso. Nesse contexto, hoje acordei com o distante porém próximo Ai Weiwei, o artista chinês multi-talento que me mantém atualizada diariamente sobre sua vida e seu trabalho através das redes sociais online. Quem tem tempo pra escrever uma autobiografia quando pode usar o Twitter para informar sobre injustiças e desigualdades sociais na hora em que elas acontecem? E assim ele vai contando e fazendo história ao mesmo tempo, em tempo real.

No último mês de abril, o nome e as obras de Ai Weiwei que constavam em uma exposição na Power Station of Art de Xangai, um museu estatal, foram removidos da mostra antes da inauguração, por pressão de autoridades do governo local. “15 Years Chinese Contemporary Art Award” tinha como argumento a trajetória do Prêmio criado pelo colecionador suíço Uli Sigg em 1998. Ele próprio, entendendo a complexidade da situação, pensou em cancelar a exposição em cima da hora, mas estando a apenas alguns minutos da abertura e sem qualquer possiblidade de diálogo com os funcionários da Secretaria Municipal de Cultura de Xangai, optou por registrar suas reclamações em seu discurso de abertura. Sua menção ao artista que não pode ser incluído não foi traduzida.

Apenas um mês depois, surge um novo episódio de censura. Trata-se agora da exposição “Hans van Dijk: 5000 Names”, no UCCA Ullens Center for Contemporary Art”, uma homenagem ao curador nascido na Holanda, que viveu e trabalhou em Pequim promovendo a arte contemporânea chinesa em todo o mundo. O nome de Ai Weiwei, que diga-se de passagem era grande amigo e colaborador do homenageado em questão, foi omitido do release para a imprensa e de toda a divulgação da mostra. Honrando sua luta contra a censura e também a amizade com Dai Han Zhi (nome chinês de Hans van Dijk), o artista em pessoa retirou e levou embora seu trabalho da exposição, alegando desrespeito a sua trajetória e a promoção de um falso retrato da arte contemporânea chinesa. E claro, tirou uma foto e postou no Instagram.

 Instagram Ai Weiwei_1

Ai Weiwei foi além. Para que não restassem dúvidas sobre a arbitrariedade da curadoria, resolveu gravar as conversas que teve dois dias após o ocorrido com o diretor do UCCA, Philip Tinari, na cafeteria do local. Também registrou a conversa com a curadora convidada e responsável pela mostra, Marianne Brouwer. Nesta madrugada ele postou as transcrições, que podem ser lidas tanto na sua conta do Google (aqui e aqui) quanto no Instagram.

Ai Weiwei Instagram_2

Com isso, ele demonstra que o sistema invade determinadas práticas profissionais como um cavalo de Tróia, delegando o poder e depois fazendo com que a censura seja absorvida como uma banalidade, uma burocracia, transformando-se em autocensura. Ambos profissionais decidiram omitir o nome do artista na divulgação, mantendo suas obras na exposição, com o objetivo de evitar problemas com as autoridades. Com isso, ignoram na totalidade o pensamento e o trabalho artístico de Ai Weiwei, que luta incessante e destemidamente contra esse controle e mais, combate esse tipo de medo com a coragem que é evidente em sua trajetória pessoal e profissional. Estava sendo nada mais que coerente.

 Ai Weiwei Instagram_3

“Se eu estou envolvido, eu quero que seja certo”. Através dessa afirmação tão simples e com a qual muito me identifico, no dia de hoje ele chamou a atenção de milhares de seguidores para o que está acontecendo na China. O que poderia denotar apenas ética e princípio moral aplicado ao espaço profissional, quando dito por Ai Weiwei toma outra dimensão: fala sobre as dificuldades de ser e estar na China do século XXI e ensina sobre moldar a nossa existência através dos próprios atos.

Weiwei é para mim um exemplo a ser seguido, uma fonte infindável de inspiração para curadores e artistas. Minha admiração é tanta que confesso, sem nenhuma vergonha, que há mais de um ano comecei a aprender Mandarim com o objetivo de entendê-lo melhor e, quem sabe um dia, poder falar com ele se o encontrar por acaso na rua, nem que para isso eu tenha que dar uma volta, também muito por acaso, perto da sua casa/estúdio em Pequim. (Pra quem não conhece sua trajetória, ele ficou quase três meses detido pelas autoridades chinesas em 2011, sob acusação de evasão fiscal. Embora esteja autorizado a deixar Pequim, ainda está proibido pela polícia de viajar para outros países, por ser “suspeito de outros crimes”. Seus defensores e ele próprio consideram sua prisão como uma represália por suas críticas ao governo. Mais sobre ele no maravilhoso documentário “Never Sorry” e também no recente “The Fake Case“).

O seu trabalho me encoraja a ter mais imaginação e com ele aprendo que a política é mais próxima das pessoas quando questionada através da arte. Ele me faz pensar que toda arte tem que ter um porquê, e me traz a noção de que o belo se justifica quando é veículo para transmissão de uma mensagem e não apenas um fim em si mesmo. Passei a pensar melhor minhas escolhas estéticas e, como uma ode à Ai Weiwei, aspiro acessar meus espectadores na essência do ato de observar, atingindo o ponto exato onde se perguntam o porquê do meu trabalho. Por que essa foto e não outra? Por que aquela cor? Por que aquele traço está ali? Qual o por que dessa edição? Produzir apenas para dar vazão a minha angústia criativa deixou de ser aceitável depois de Ai Weiwei. Ele me ensinou que, sem nenhum juízo de valores, em um mundo onde tudo é possível e tem seu lugar, existe a Arte e existe o artesanato. Sendo assim, me pergunto todos os dias por que estou fazendo o que faço, busco alguma certeza entre minhas inúmeras dúvidas. Mas sempre com uma convicção: If I’m involved, I want it to be right.

 

 

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