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Lançamento do livro “Calçadão, do Leme ao Leblon”

Lançamento do livro “Calçadão, do Leme ao Leblon”

A convite da Editora Língua Geral, organizei um livro de fotografia sobre o Calçadão carioca. O projeto reúne quatro ensaios fotográficos autorais, meu e de mais três fotógrafos, que se misturam ao longo da narrativa visual assim como pessoas de todos os tipos se misturam no ambiente da praia no Rio de Janeiro. Lucas Zappa, Felipe Braga e Benoit Founier se unem a mim nessa missão de retratar o cotidiano desse local. O design ficou a cargo do Cubículo e o tratamento digital de imagens e produção gráfica com Joanna Americano Castilho.

O lançamento acontecerá no dia 04 de dezembro, às 19h00, no Hotel Ipanema Inn, nosso patrocinador! Rua Maria Quitéria, 27, Rio de Janeiro. 

O trabalho que apresento nesse livro pode ser visto no Portfolio.

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Segue abaixo o texto de apresentação do livro!

Calçadão do Leme ao Leblon: margeando subjetivamente a orla carioca

Carolina Matos, outubro de 2014.

“Há a praia entre o brasileiro e sua obra, entre o brasileiro e suas utopias”.[1]

Nelson Rodrigues

 

            Há um Calçadão entre o carioca e a sua essência. Uma das calçadas mais famosas do mundo, essa estreita faixa de pavimento preto e branco na orla da Zona Sul do Rio de Janeiro condensa ao mesmo tempo e no mesmo espaço elementos da praia e da cidade. As ondas reproduzidas no padrão gráfico – um ícone perfeito da natureza volúvel dos nascidos e criados na sua área, traçam um limite ambíguo entre dois universos, mas parecem também equilibrar de um jeito místico o choque entre natureza e concreto.

            Falamos de oito mil metros de extensão para o trajeto que margeia as praias do Leme, Copacabana, Arpoador, Ipanema e Leblon. Um dos pontos mais importantes do turismo no Rio de Janeiro, a Avenida Atlântica de Copacabana começou a ser construída em 1904, na gestão do prefeito Pereira Passos. Tinha então somente seis metros de largura, que aumentariam para o dobro apenas quatro anos depois e cada vez mais dali pra frente, dando vazão ao crescente movimento de automóveis, banhistas e curiosos na região. Feito de pedras portuguesas, o Calçadão carioca segue o padrão de “O Grande Mar”, na praça do Rossio em Lisboa, desenho original que representa o encontro das águas doces do Tejo com o Oceano Atlântico, e cujas ondas atravessaram toda a imensidão de água que nos separa, atracando de vez na orla brasileira.

            Esse espaço geográfico que tomamos como tema para a narrativa visual, tão urbano e tão nativo, é para o habitué a fronteira fundamental entre o ser e o estar. Porque à beira-mar, o carioca apenas é, sem legendas, etiquetas ou sobrenomes. E somente ao cruzar a avenida, seja ela Atlântica, Vieira Souto ou Delfim Moreira, o sujeito veste a roupa e também a alma, ilustrando sua personalidade com normas, direitos e deveres.

            “Das inúmeras cidades imagináveis, devem-se excluir aquelas em que os elementos se juntam sem um fio condutor, sem um código interno, uma perspectiva, um discurso”.[2] Seguindo esses preceitos, certamente o Rio entraria na seleção do viajante Marco Polo, ou melhor, no critério do escritor italiano Ítalo Calvino para sua viagem literária às Cidades Invisíveis. “As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa.” [3] Nesse Rio de Janeiro cheio de desejos e medos, arrisco dizer que o fio condutor pode ser o Calçadão, que as regras operantes nesse espaço são incoerentes porém legitimas, as perspectivas um tanto disfarçadas e que todos os pontos de vista escondem cenários diversos.

            O trânsito de pedestres é incessante e inclusive pode gerar dependência em alguns quantos fascinados com o vasto horizonte e o despontar da liberdade anunciada pela reunião entre céu e mar. A cidade, como o oceano, vive em constante mutação e talvez seja esse ritmo comum que faça com que possam encontrar algum equilíbrio. Vez ou outra o mar reivindica seu espaço, invadindo em ressaca as pistas de concreto impostas como limite. Mas em geral, o vai e vem fica mesmo por conta dos passantes, que cruzam olhares sem nunca ancorar em nenhuma direção.

            A proposta de reproduzir a atmosfera do Calçadão em uma publicação é de fato um desafio estimulante, e o convite para organizar a empreitada foi levado à mim considerando os múltiplos aspectos que permeiam o assunto. Manifestou-se necessária, como única alternativa para não reprisar o ponto de vista recorrente em publicações preliminares, a atribuição do encargo à fotógrafos jovens e descompromissados com a agenda do turismo e da propaganda, que tem uma profunda relação com a cidade e sua rotina agitada e farta de cenários e acontecimentos. Os cariocas Felipe Braga e Lucas Zappa junto com o olhar estrangeiro de Benoit Fournier são os responsáveis pelo enredo. Para mais, me propus a mesma tarefa de registrar o Calçadão: do Leme ao Leblon, em uma incursão virtual pela área. O produto final é um livro heterogêneo e sortido de retratos recém-produzidos da orla, uma narrativa extremamente contemporânea e ao mesmo tempo atemporal, que busca levar ao leitor a captação do espírito versátil desse eterno símbolo da cidade do Rio de Janeiro.

[1] RODRIGUES, Nelson. “O Brasil Karamazov”em “O Óbvio Ululante: primeiras confissões crônicas”, São Paulo: Companhia das Letras. 1993, pg. 143.

[2] e 2 CALVINO, Ítalo. “As Cidades Invisíveis”, traduzido por Diogo Mainardi, São Paulo: Companhia das Letras, 1990, pg. 44.

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